INTRODUÇÃO
A vida é um hotel, um acolhimento no qual se entra, usufrui
e sai.
Como, entre os seres, abriga, também, o humano, acho inspirador comentar
as maneiras da passagem por ela, visto que nossa espécie gera todo tipo
de personalidade, como atores em cena num teatro.
Essa variedade, para o bem e para o mal, incita
comportamentos
e consequentes atividades, que em qualquer grau psíquico, do
lúcido
ao patológico, admite-se questionar o quanto viver pode ser delirante,
nas filosofias, nas ciências, nas artes e, especialmente, no convívio social.
Meditar sobre o Universo, sobre um ou mais deuses,
conjeturar a razão
do viver, são temas, por si só, comprovantes.
Unindo-se ao desempenho coletivo ou individual do viver, a ideia se
completa.
O título é controverso, mas o exponho, pelos atos que nos compõem.
Aspiro que o que aqui escrever seja criativo, realista e, infelizmente, menos idealista que o delírio de super-homem desejado por Nietzsche, já que acredito que estamos longe da possibilidade de o ser humano atingir o seu ápice: ser melhor a si mesmo e ao que o envolve.
HOTEL DELÍRIO
-O começo de tudo-
Na deliciosa época de Faculdade, na qual somos o centro do universo,
donos do mundo e de todas as verdades, fase na qual nossos pais passam a ser
jurássicos e só o nosso grupo nos compreende, estudei na Cidade Universitária
da USP: local de muita comunicação entre as diversas escolas, de inúmeros
movimentos sócio-políticos e de tantas festas a comparecer quanto o número de
aulas. Frequentava muitas, experimentava a tudo e, às vezes, extrapolava.
Numa das várias folias, numa fria noite de fim de junho, na semana das
comemorações dos santos foguetórios, fui, com muitos amigos, à um porão de
casarão quase abandonado e nos aquecemos em volta da fogueira do quintal, com
excesso de música, conquistas, fumos e até pinhão, pipoca e quentão.
Faltou o
São João.
Na noite gelada, muito quentão, para mim, foi a principal questão, pois
outros incentivos não me interessavam. Ao beber demais, após horas de
convívios, abraços e demais carícias, resolvemos, uma colega e eu, sair em
busca de um pequeno hotel qualquer, noite à dentro. Estávamos no
final da rua Frei Caneca, em São Paulo, e fomos descendo para o Centro. Alguns
hotéis com moças trabalhadoras noturnas, na porta, não nos entusiasmaram (nem
nós a elas). Continuando pela rua da Consolação, encontramos um hotelzinho
exatamente em frente à Biblioteca Municipal. Na minha dupla visão, embaralhada
pelo vinho e por anseios ardorosos, olhei rapidamente o neon vermelho, gritando
dentro da noite: Hotel Delírio. Entrei, entre surpreso e confuso, achando
que nome tão explícito para esse tipo de lugar, reclamava um pouco mais de
sutileza. Enfim, num quarto, menos sujo do que supunha, nos abandonamos ao
que pretendíamos, entre momentos de descanso e recomeços, fazendo jus ao nome
do hotel, até raiar o dia.
Meses depois, indo, uma tarde, à Biblioteca, por necessidade de
pesquisas, demorei mais que o pretendido e sai de lá à noite.
Qual não foi a minha surpresa ao ver, das escadas da Biblioteca, o
pequeno hotel, do outro lado da rua, com o neon vermelho explodindo: HOTEL DEL RIO.
Como? Hotel Del Rio. Cadê o HOTEL DELÍRIO?
Achando muito engraçada minha confusão, voltei divagando como o pré-consciente,
aliás, o próprio consciente, nos faz ver as coisas que desejamos.
No acúmulo dos anos, continuando a divagar, penso nos delírios da minha
existência. Assim, não os denominava, pois os julgava, somente, quando
doentios. Mas quantos devaneios, imaginações e esperanças, camuflados, não os
representaram. O primeiro deles, presumir, a mim mesmo, ser melhor do que
realmente era. Depois, os que, ingênuo, desejei: as expectativas da ilusão de
felicidades plenas ou os da busca do ideal.
Felizmente, escapei de delírios
como o religioso (tão perigoso, se fanático), o da palavra (quando errada) e
dos excessos de narcisismo, prepotência, preconceitos, maldade atroz e outros
intermediários, entre lucidez e delírio.
Mas, não escapei de certas neuroses ou das fantasias que
me alienam para aguentar as frustrações cotidianas.
Nem das que me fazem suportar os rumos do mundo, como, por exemplo, as
utópicas: sonhar que acabem as guerras, a fome, a miséria.
O que pode ser mais delirante do que não existir uma paz social porque a
cupidez dos obsessivos pelo poder e sua estupidez a tornam impossível?
Anteriormente considerados delirantes, cientistas, inventores, hoje, têm
seus projetos não só admirados, mas concretizados. No campo da ciência, ninguém
se arrisca mais, considerar qualquer invenção delirante. Não? Mas como denominar aquelas que podem acabar com o Planeta em minutos?
Embora discutível e apreciando ou não a obra, talvez, o único delírio ameno, seja o do artista, que tem a liberdade de expressão, sem uma obrigatoriedade de coerência com a sociedade.
Enfim, apesar de ser decepcionante admitir, acredito que todos nós,
artistas, cientistas, inventores ou comuns, sempre, encontraremos à nossa
frente um faiscante neon vermelho, com a significativa e incontestável
observação: Delírio.
O QUE A MENTE
INTENSAMENTE
SE OCUPA,
NÃO SÓ A MINHA,
POIS, A MUITAS, PREOCUPA,
É A CONSEQUÊNCIA FUTURA
DA ILÓGICA AGRESSÃO ECOLÓGICA
NA QUAL O SER HUMANO ATUA.
DA COMBINAÇÃO DOS GENS,
UTILIZAMOS ÍNFIMA PARTE.
QUANDO FOR IMINENTE,
QUAL SERÁ A IMAGEM
DE ADEQUAÇÃO, NA ARTE
DE UMA OUTRA COMPLEIÇÃO?
SURGIR UM ENTE QUE ORIGINE
DESSE CAOS QUE NOS DOMINA
E SOBREVIVA.
AO IMPOR SUA CONSISTÊNCIA,
COMO SERÁ A DECORRÊNCIA,
DA NOVEL MUTAÇÃO?
AO LONGO DOS CAMINHOS
HÁ A PRIMEIRA BUSCA,
MAIOR QUE O DO TEMPO PERDIDO.
É A UNIÃO DE DUAS VIDAS
QUE, INDIFERENTES NO SEU ARDOR
AOS DESENCONTROS
DAS RAPARIGAS EM FLOR
OU ÀS INCONSTÂNCIAS,
ENGANOS E DESILUSÕES
DAS PRISIONEIRAS E FUGITIVAS,
INICIAM O CLAMOR DO AMOR
NOS JOVENS ANOS QUERIDOS,
ÁVIDOS A SEREM VIVIDOS.
COMPOR
É UM FEITIÇO
DE AGRADÁVEL
COMPULSÃO
EM CRIAR
FANTASIAS,
MISTÉRIOS,
SEDUÇÕES.
CATARSE
NA POESIA.
CONFISSÕES
DE CRITÉRIOS,
MUITAS
INQUIRIÇÕES,
ALGUNS
DESPAUTÉRIOS,
VÁRIAS SENSAÇÕES.
NOS REFLEXOS DA ALMA
HÁ UM ESPELHO DOURADO,
PEQUENO, QUADRADO.
UMA SALA SOLENE,
UM VASO CHINÊS,
UM PORTA RETRATO.
NO FUNDO DA IMAGEM,
UM MENINO CORRENDO,
PASSANDO, SE VENDO.
O MENINO BRINCANDO,
CAINDO, BRIGANDO,
CRESCENDO, SE VENDO.
NO ESPELHO DOURADO
O MENINO FORMADO.
ALGUMAS LUTAS VENCEU.
VÁRIAS VIDAS VIVEU.
E O ESPELHO DOURADO,
PEQUENO, QUADRADO,
NO TEMPO PERDEU.
OLHOS MAGOADOS,
OLHOS AUSENTES,
TENTANDO O PASSADO
VIVER NO PRESENTE.
OLHOS SEM COR,
EM TRISTE TORPOR,
SEM MAIS FIXAR,
POIS NÃO HÁ TEU OLHAR.
OLHOS VAZIOS,
SEM CALOR.
TORNARAM-SE ARREDIOS.
OLHOS VADIOS!
JÁ NEM OLHOS DE DOR,
JÁ NEM MÁGOA ABAFADA,
SÓ OLHOS, MAIS NADA,
AQUELES OLHOS DE AMOR.
TELENY
TELENY OU O REVERSO DA
MEDALHA
Autor: Oscar Wilde e
Amigos
Editora HEDRA
2008
Um jovem aristocrata
Camille des Grieux, ao assistir um concerto beneficente, do qual sua mãe é
uma das patrocinadoras, sente despertar uma forte emoção ao encontrar o
violinista húngaro René Teleny. Este, ao vê-lo, do palco, também fica
impressionado mas, age como se já esperasse o encontro, como algo predestinado.
Toca maravilhosamente bem, em função de um amor que pressente. Camille, assustado
com o aflorar desse sentimento tão exacerbado por um homem, prefere não mais encontrá-lo,
evitando seus concertos e sua presença. Tenta, como prova a si mesmo, seduzir
uma jovem empregada da casa, mas, apesar do desejo, não conclui o ato porque a
moça não o permite. Continuando a se enganar, vai a um bordel feminino de baixa
categoria, com amigos, e sai enojado, não apenas sexualmente, mas com o retrato
da miséria humana desses locais. Ao saber, por sua mãe, que o violinista vem
tocando muito mal e está quase sem plateia, volta, uma noite ao teatro,
escondido no fundo do camarote, interessado em revê-lo. Sem olhar, mas ao
sentir a presença de Camille, ele começa a executar uma peça triste,
admiravelmente bem tocada, deixando o público, novamente, encantado.
Ao encontrarem-se,
Camille aceita o convite do artista e não mais bloqueia seus anseios. Os dois
iniciam um romance e o jovem aristocrata conhece a felicidade na companhia e
nos braços do violinista.
Embora felizes, Teleny,
descendente de ciganos, tem presságios de que alguma coisa poderia
estragar tão intenso amor. Mais experiente nas práticas homo afetivas, o
violinista delicia Camille, que sente-se cada vez mais atraído. Frequentam
festas e algumas orgias de extremo exagero, encontrando nobres, autoridades e
pessoas que Camille jamais imaginaria poderem estar ali. O casal é invejado por
muito dos presentes, pela alegria que demonstram em terem um ao outro.
Gastando mais do que
podia, o violinista acaba com dívidas e ao saber que Camille quer pagá-las, recusa
totalmente. Sem contar, Camille salda os débitos.
Sua mãe, admirando o amigo do filho,
fala cada vez mais sobre sua arte e beleza.
Embora sabendo que
seria um absurdo, Camille chega a sentir um pouco de ciúmes.
Uma sutil mudança
começa a ocorrer na união dos dois e o jovem aristocrata sente algo misterioso quando
o violinista adia encontros e faz viagens inesperadas. Com ciúmes, passa a
rondar sua casa, da qual, inclusive, possuía a chave de entrada, mas nada vê.
O artista
sempre volta a encontrá-lo, amando loucamente, apaziguando-o. Seu olhar, porém,
expõe uma tristeza que Camille não consegue interpretar. Os dois sabem que se
amam e que não poderiam viver separados. Ao se tocarem, os corpos ardem de amor
e desejo.
No entanto, Camille
continua inseguro. Uma noite, na qual o artista diz ter que viajar, antes da
despedida, Camille quer confessar que, por carinho, saldou suas dívidas.
Mas a carruagem chega e o jovem nada diz. Num último
abraço, Teleny parece um fantasma, com os olhos cheios de agonia. Camille, mais uma vez, fica intrigado.
Aproveitando a ausência do amigo, volta ao seu escritório e
interessa-se por todo o serviço que tinha deixado a cargo de seu administrador.
Trabalha até o anoitecer. Já muito tarde, vai vagando a esmo. Quando, por
saudades, seus passos o levam até a casa de seu amor, vê luz e movimentos. Tudo
deveria estar vazio. Desconfiado de ladrões, usa sua chave e, sem qualquer
barulho, chega ao quarto do violinista.
Escuta vozes. Sem querer acreditar, olhando pelo buraco da fechadura, vê
uma linda jovem senhora, revelando um corpo maravilhoso, no ato do amor com o artista. Querendo fugir, sem saber como agir ante a decepção, não refreia sua
curiosidade e entra abruptamente no quarto, vendo que a jovem senhora é a sua
mãe. Sai atarantado, sem reações, completamente aturdido. Vai até o rio, aonde
joga-se. É salvo por desconhecido e passa dias numa clínica. Quando melhora, sua
primeira intenção é voltar à casa do amante, pedindo uma explicação, pois não
consegue deixar de amá-lo e até perdoá-lo. Ao chegar, escuta gemidos e vê
o violinista com uma faca enterrada no peito. Num esforço final, ele declara seu amor a Camille e morre
em seus braços. O jovem aristocrata fica doente por semanas e o drama sai em jornais, de
maneira velada.
Teleny deixa uma carta a
Camille dizendo que, como a mãe dele tinha pago suas dívidas e estava apaixonada por ele, esta foi a única maneira de indenizá-la, a única razão de sua
infidelidade.
Toda essa história,
desde seu início, Camille está contando para um amigo não revelado. Quando ele
pergunta sobre o que aconteceu com a mãe, o filho diz que uma outra vez
contaria as aventuras dela.
Considerações:
O livro, ao que se
pensa, foi escrito por amigos de Oscar Wilde e teria sido revisado por ele.
Publicado pela Livraria Francesa de Londres, em 1893, os 200 exemplares foram
recolhidos, juntamente com os manuscritos e colocados numa caixa, no Museu
Britânico. Poderia ser consultado, mas só seria publicado, novamente, em 1986.
A ação parece acontecer
em Paris (o que não fica claro, apesar de nomes e certas frases serem
ditas em francês, principalmente no bordel).
Se for verdadeiro, o
fato torna o livro mais curioso, como se, sendo ambientado na França, país de
conhecidas liberdades, pudesse ser validado ante a censura inglesa. No entanto,
foi escrito por ingleses e revisado por um irlandês.
Seu texto, muito
romântico, é bastante obsceno nas descrições dos relacionamentos. O exagero do
amor, o arrebatamento, os estremecimentos de deleite, a liberdade licenciosa,
os êxtases, revelados nos seus mais íntimos detalhes físicos, me pareceram, mais
do que uma gratuita pornografia, uma proposital vontade de rebeldia dos
autores, ao divulgar a homossexualidade existente na Inglaterra, (punida pela
lei), mas conhecida e abafada, conforme os interesses do falso moralismo do
período vitoriano.
Contudo, o próprio conceito
da obra, na minha opinião, vem a ser contraditório, porque demonstra uma essência muito moralista,
ao fazer com que seus principais personagens sofram grande tragédia,
terminada na morte de um deles, como se tal amor jamais pudesse dar certo na
vida real e precisasse, ainda, ter o supremo castigo do espantoso envolvimento
da figura materna.
Talvez, esse final tenha
sido criado, até pela existência de resquícios morais latentes no subconsciente
de seus escritores, como se precisassem dar uma justificativa a um texto tão
sensual e ousado, inconcebível de ser publicado e aceito, na época.
Obs: Oscar Wilde
(1854-1900) famoso romancista irlandês, casado e pai de dois filhos, ao se
apaixonar (e ser amado) por um jovem aristocrata inglês, foi processado e preso
por homossexualismo, de 1895 a 97, em Londres. Após sua liberdade passou a
viver na França e na Itália. Escreveu obras famosas como:
O Retrato de Dorian Gray, Salomé, O Príncipe Feliz, O
Leque de Lady Windermere, O Jovem Rei, O Fantasma de Canterville e Contos.