sábado, 6 de dezembro de 2014

LIVRO FIO DE CRISTAL - PARA MIM - II

ÀS GRANDES TRISTEZAS
É DIFÍCIL O CONSOLO,
POR MAIS QUE SE DESEJE.
O PESAR DOMINA OS SENTIDOS,
E, MESMO QUANDO SUAVIZADO,
O ÍNTIMO CONTINUA FERIDO.

MAS, INSISTIR EM SOFRER,
COMO FORMA DE VIDA,
QUE REVIVA A PERDA QUERIDA;
TRANSFORMAR A ANGÚSTIA
NUM VÍNCULO DE EXPIAÇÃO,
É CEDER AO DELÍRIO.
NÃO HAVERÁ LENITIVO
QUE OFEREÇA ALÍVIO,
NÃO HAVERÁ CONFORTO
QUE CAUSE ATENUAÇÃO.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

LIVRO VIDE VERSO - À MANEIRA DE DRUMMOND OU BANDEIRA

NÃO COMPOR À MANEIRA
DE DRUMMOND, BANDEIRA,
OS ANDRADES OU OUTROS
MODERNOS LUMINARES,
ERA INACEITÁVEL DEFEITO
POR NÃO INOVAR,
NO MUITO QUE ESCREVI.

ENTRETANTO, DECIDI
QUE ME BASTA SENTIR E CRIAR.
NADA É PRECISO SEGUIR.
MEU CAMINHO TEM MUITAS PEDRAS,
NUNCA FUI AMIGO DO REI.

E MELHOR ME IDENTIFIQUEI
NO SENTIMENTO, NO RIMAR,
COM MENOTTI, GUILHERME, CECÍLIA,
JOÃO CABRAL E OUTROS MAIS,
TAMBÉM SUBLIMES NO ESCREVER.
E, SEM OUSAR ME COMPARAR,
POSSO AFIRMAR:
FAÇO POESIA, SOU POETA.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

LIVRO FIO DE CRISTAL - UMA ODE AO CAOS

AO CAOS, UMA ODE,
QUE DE UM FRAGMENTO IMERSO,
UMA PARTÍCULA EXPANDE
E NASCE UM UNIVERSO
EM ALGO QUE NÃO EXISTIA.
EXPANDIRAM NOVAS
PARA COMPOR DIVERSOS?


HÁ TEÓRICAS SUPOSIÇÕES
DA EXISTÊNCIA DE OUTROS,
NO TEMPO ETERNO
DO ESPAÇO INFINITO
DAS IMENSURÁVEIS DIMENSÕES.



ANTE QUESTÕES COMPLEXAS,
AINDA TÃO INEXPLICÁVEIS,
QUE REFLEXÕES JUSTIFICÁVEIS
PODERÍAMOS CONCEBER,
NUM TEMA, NO QUAL A MENTE,
ALÉM DE NÃO COMPREENDER,
SEQUER CONSEGUE IMAGINAR?

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

LIVRO FIO DE CRISTAL - NELSON FREIRE

Tive a felicidade de assistir, ao vivo, pela primeira vez, o pianista Nelson Freire, que todos conhecem tão bem, inclusive, internacionalmente. Sempre o ouvi em CDs ou na rádio Cultura, em São Paulo, e gostei muito do filme documental produzido pelo cineasta João Moreira Salles. Mas pessoalmente, nunca o tinha assistido. Até este domingo, 30.11, quando ele se apresentou na Sala São Paulo (SP), junto com a OSESP - Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob regência do maestro Roberto Tibiriçá.
O pianista tocou, de Frédéric Chopin, o Concerto nº 2 - em Fá menor, Opus 21, composição de cerca de 1830, conforme o catálogo. Apesar de gostar muito de música, conheço, somente e infelizmente, as que me “tocam” mais, como as deste compositor.
A execução admirável, me deixou bastante empolgado, ante tanta demonstração de Arte.
Ao final da apresentação, pela interminável veemência dos aplausos, Nelson Freire regressou ao palco mais três vezes, pois a plateia não se conformava com sua retirada. Em cada retorno, executou um pequeno trecho de músicas que devem estar sempre em seu repertório, para ocasiões como essas, peças em torno de uns cinco minutos.
Ao tocar só, sem a exuberância de uma orquestra, músicas suaves, de teor tão delicado, é que deu para que eu sentisse melhor, o que é ouvir um grande artista. Até pensei que, para mim, teria sido preferível que ele tivesse se apresentado sozinho, desde o início. Sem qualquer desmerecimento ao grande Maestro e à ótima orquestra. Talvez fosse a emoção da presença brilhante, um som mais íntimo na grandeza da Sala ou minha preferência por solos de piano mais “doces”, mas o fato é que me comovi demais.

Já estive na presença de outras grandes celebridades, inclusive nas Artes, luminares que engrandecem nossa existência. Mas há tanto tempo atrás, que havia perdido a sensação dessa emoção.
Ao sair, com o contentamento de ter participado, outra vez, de algo maior, refleti, como sempre, na ambiguidade do ser humano.
Como podemos ter tão magníficos desempenhos em tantas atividades científicas e artísticas e, ao mesmo tempo, sermos o pior ser da face da Terra. Esse fato contraditório sempre me confunde e incomoda bastante e está bem expressado em muito do que escrevo.
Entretanto, ao invés de pensar em questões complexas, de difícil entendimento, mais valioso é comprazer-me com o que vi e ouvi, glorificando o lado humano, quando nos transporta ao melhor.

sábado, 29 de novembro de 2014

LIVRO VIDE VERSO - O AMOR URGE

O AMOR SURGE,
AVASSALA,
EXIGE, URGE.
NUNCA EXISTIU
E, SEM ELE ANTES,
NADA EXISTIU.
NOS TORNA UNO,
FELIZES, BRILHANTES.

PORÉM,
A SUTIL TESSITURA
DO COTIDIANO, ANO A ANO
NA TAPEÇARIA DO TEMPO,
ATRAVÉS DUM NÓ DE VIÉS,
URDE UM PRAZER SACIADO,
UM CALOR MAIS AMENO,
UM SORRISO CANSADO,
UM UNIR SÓ SERENO.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

LIVRO FIO DE CRISTAL - OUTRA MÃE CORAGEM


   
“É UMA PENA NÃO DIZERMOS, EM VIDA, ÀS PESSOAS, O QUANTO AS AMAMOS”.

MARINA GOMIDE RIBEIRO DOS SANTOS, QUE SEMPRE ASSINOU MARINA RIBEIRO DOS SANTOS (APESAR DAS CENTENAS DE HOMÔNIMOS PELO PAÍS), FOI UMA MULHER QUE SOUBE ENFRENTAR OS INFORTÚNIOS QUE A VIDA CAUSOU, COM EXTREMA CORAGEM.
NASCIDA EM 1918, EM SÃO PAULO, FILHA DE UM CASAMENTO MUITO DESIGUAL ENTRE SEUS PAIS, ELE UM FIDALGO DA ELITE PAULISTANA, RAPHAEL GOMIDE RIBEIRO DOS SANTOS, NASCIDO EM 1886, EM BERÇO DE OURO; ELA, VERA VITÓRIA JOANA GAVA BELLANOTTI, NASCIDA EM 1895, JOVEM LINDA, LOURA, DE OLHOS CLAROS, FILHA DE IMIGRANTES ITALIANOS POBRES. COM A PAIXÃO QUE ROMPEU INÚMERAS CONVENÇÕES, ELES ACABARAM CASANDO-SE ESCONDIDOS, NA IGREJA DE SANTA CECÍLIA, EM SÃO PAULO, NO ANO DE 1915.
NÃO CONSEGUINDO AFRONTAR A FAMÍLIA, MEU AVÔ RAPHAEL, QUE ESTAVA OFICIALMENTE NOIVO DE UMA PRIMA, ESCONDEU A ESPOSA EM UM PEQUENO HOTEL, AONDE ELA VEIO DAR A LUZ AO SEU PRIMEIRO FILHO. MANTENDO O SIGILO, NASCEU UMA SEGUNDA CRIANÇA, MINHA MÃE MARINA.
AO TOMAR CONHECIMENTO, NA SÃO PAULO PROVINCIANA DA ÉPOCA, QUE SEU PRIMOGÊNITO RAPHAEL TINHA DOIS FILHOS DE UM CASAMENTO SECRETO, MINHA BISAVÓ, ANTONIA VASCONCELOS GOMIDE RIBEIRO DOS SANTOS, APESAR DO ESPANTO E DO CONSTRANGIMENTO JUNTO À FAMÍLIA E À SOCIEDADE, RESOLVEU ACEITAR A UNIÃO, POR NÃO HAVER OUTRA SAÍDA. O CASAL FOI MORAR EM UMA DAS RESIDÊNCIAS DA FAMÍLIA, À RUA BARÃO DE LIMEIRA, AONDE NASCERIAM OUTROS FILHOS.
O TEMPO, AOS POUCOS, FOI ARREFECENDO A PAIXÃO, MOSTRANDO AS DIFERENÇAS SOCIAIS E CULTURAIS. MEU AVÔ, ADVOGADO FORMADO PELA FACULDADE DE SÃO FRANCISCO, TENDO VIVIDO NA EUROPA E UTILIZANDO A LÍNGUA FRANCESA COMO PRÓPRIA, COMO ERA COSTUME ENTRE A CLASSE RICA ESNOBE, TINHA VASTA CULTURA E FREQUENTAVA TODA A ELITE PAULISTANA. SUA MÃE ERA FILHA DE CONSELHEIRO DO IMPÉRIO. SEU PAI, TAMBÉM ADVOGADO, ERA DIRETOR-GERAL EM ALTO ESCALÃO DA POLÍCIA CIVIL, UMA ESPÉCIE DE SECRETÁRIO DA SEGURANÇA, DO GOVERNO DO ESTADO. MUITO RESPEITADO POR SUA HONESTIDADE E JUSTIÇA MORREU CEDO, EM 1908.
MINHA AVÓ, CHAMADA VITÓRIA, APESAR DO VÁRIOS NOMES QUE POSSUÍA, SEGUNDO O COSTUME EUROPEU, TEVE APENAS OS CURSOS BÁSICOS DE ENSINO, PRECISANDO TRABALHAR PARA AJUDAR A FAMÍLIA. MUITO CORRETA E RELIGIOSA, ERA DE UMA FRANQUEZA FÉRREA, ÀS VEZES, DESAGRADÁVEL.
MAMÃE CRESCEU ENTRE UM REFINAMENTO EXAGERADO, PELO LADO PATERNO E UMA GRANDE SIMPLICIDADE PELA FAMÍLIA MATERNA.
SE MEU AVÔ ADOTAVA A EDUCAÇÃO INFANTIL PELO MIMO E GENTILEZA, MINHA AVÓ, AO CONTRÁRIO, ERA DE UMA AGRESSIVIDADE EXAGERADA NOS CASTIGOS CORPORAIS.
ATRAÍDA PELO LADO MAIS “CHIC” DA FAMÍLIA, COMO QUALQUER CRIANÇA, SENTIU-SE, PORÉM, SEMPRE DIVIDIDA. TANTO NOS BONS COLÉGIOS EM QUE ESTUDAVA, COMO NOS AMBIENTES FINOS QUE SUA AVÓ ANTONIA, RECONCILIADA E APAIXONADA POR ESSA PRIMEIRA NETA, A LEVAVA. O CONTRASTE ENTRE A VIVÊNCIA COM O LADO RICO DA FAMÍLIA E COM O LADO POBRE, A CONFUNDIA.
DISTINGUINDO-SE NOS ESTUDOS, FOI SEMPRE A PRIMEIRA DA CLASSE EM TODOS OS CURSOS QUE PARTICIPOU. NAQUELE TEMPO, OS MELHORES GRADUADOS TINHAM SEUS NOMES PUBLICADOS NOS JORNAIS, FATO QUE CONSTATEI NOS ARQUIVOS DO JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, REFERENTE AOS ANOS 1930.
COM O NASCIMENTO DE INÚMEROS OUTROS IRMÃOS, COM A FALTA DE PROPENSÃO À ADMINISTRAÇÃO ECONÔMICA DE MEU AVÔ, QUE POUCO A POUCO FOI PERDENDO O QUE HERDOU, MINHA MÃE SENTIU A FUTURA NECESSIDADE DE UM DIPLOMA ÚTIL E, FATO ATÉ ENTÃO INUSITADO, INSCREVEU-SE NA ESCOLA DE ECONOMIA E CONTABILIDADE ARMANDO PENTEADO, AO LADO DA FACULDADE DE SÃO FRANCISCO. ALI, DESTACANDO-SE, COMO SEMPRE, EM PRIMEIRO LUGAR, FOI ELEITA, VÁRIAS VEZES, PRESIDENTE DO GRÊMIO, LUGAR AONDE COMEÇOU A EXERCER SUA GRANDE PREOCUPAÇÃO EM FAVOR DOS MENOS PROTEGIDOS. LANÇANDO IDEIAS DE FESTAS COM ENTRADAS PAGAS, BINGOS E PEQUENOS LEILÕES, ARRECADAVA DINHEIRO PARA MANTER O GRÊMIO E CONVENCIA OS COLEGAS A DOAREM AS SOBRAS ÀS FAMÍLIAS POBRES, QUE HABITAVAM O VALE DO ANHANGABAU, POUCOS METROS ADIANTE.
SOB AS ESPERANÇAS JUVENIS, ENFRENTAVA A SOBRIEDADE ECONÔMICA NUMA CASA DE OITO FILHOS, DESSA VEZ, JÁ MORANDO, TODOS, NUM CASARÃO, ALUGADO, EM VILA MARIANA.
COM 18 ANOS, TENDO SE FORMADO EM CIÊNCIAS CONTÁBEIS (NA OCASIÃO AINDA NÃO EXISTIA A FACULDADE DE ECONOMIA), CONSEGUIU TRABALHAR NA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
MAIS TARDE, CONHECEU MEU PAI, JOFFRE GOMES DE AMORIM OU APENAS JOFFRE DE AMORIM, UM JOVEM BONITO E EDUCADO, DE TRADICIONAL FAMÍLIA. ERA AMIGO DE SEU IRMÃO MAIS VELHO E PASSOU A FREQUENTAR A CASA. ATRAVÉS DO CONVÍVIO, FORAM SE APROXIMANDO E INICIARAM UM NAMORO QUE RESULTOU EM CASAMENTO, EM 1940.
OS PRIMEIROS ANOS DE UNIÃO FORAM NORMALMENTE FELIZES, COM O NASCIMENTO DE 4 FILHOS, BEBÊS MUITO SAUDÁVEIS.
MINHA MÃE TEVE, SEMPRE, BOM GOSTO, ERA BASTANTE ORGANIZADA E FEZ DA SUA CASA, UM LUGAR SIMPÁTICO, ATRAVÉS DOS CONHECIMENTOS DAS REVISTAS FRANCESAS DE DECORAÇÃO, QUE GOSTAVA DE LER.
MULHER BONITA E, INVOLUNTARIAMENTE, CHAMANDO ATENÇÃO, COMEÇOU A DESPERTAR AS PRIMEIRAS CENAS DE CIÚMES DE MEU PAI, QUE NÃO SUPORTAVA VÊ-LA ADMIRADA POR OUTROS HOMENS. ESSE TRISTE FATO COMEÇOU A TOMAR PROPORÇÕES MAIORES, A PONTO DE ATRAPALHAR A VIDA EM COMUM. SE OS 7 PRIMEIROS ANOS DE CASAMENTO FORAM CALMOS, OS 3 ÚLTIMOS PASSARAM A SER DIFÍCEIS E A SEPARAÇÃO CONJUGAL FOI INEVITÁVEL.
COMO HAVIA ABANDONADO O ANTIGO EMPREGO, POR SOLICITAÇÃO DE MEU PAI, MINHA MÃE VIU-SE SOZINHA, COM 4 FILHOS, VOLTANDO PARA A CASA DOS PAIS. NUMA RESIDÊNCIA COM 8 PESSOAS, A CHEGADA DE MAIS 5 SÓ PODIA TRAZER MUITA CONFUSÃO. COM SUA BONDADE COSTUMEIRA, MEU AVÔ TUDO AJEITOU, MAS MINHA MÃE PERCEBEU QUE ERA URGENTE ENCONTRAR UM EMPREGO.
A SEPARAÇÃO, PARA MIM, NÃO AFETOU EM NADA, POR SER MUITO NOVO E PARA MEU IRMÃOZINHO, UM BEBÊ, MENOS AINDA. PARA OS IRMÃOS MAIORES ACREDITO QUE A QUEBRA DA ESTRUTURA FAMILIAR, TENHA INCOMODADO BASTANTE, PRINCIPALMENTE AO MAIS VELHO, QUE PRECISOU IR PARA UM COLÉGIO INTERNO.
JÁ MUITO IDOSA, MINHA MÃE CONTOU QUE O AFASTAMENTO DO MEU PAI, NÃO LHE DOEU MUITO. MAS QUE A PERDA DO LAR E A SEPARAÇÃO DOS FILHOS, A DEIXOU COMPLETAMENTE DERROTADA.
NA DÉCADA DE 50, UMA MULHER DESQUITADA NÃO ERA VISTA COM SIMPATIA PELA SOCIEDADE, NEM PELA IGREJA E MUITO MENOS PELA FAMÍLIA. ERA IMPERATIVO RESOLVER A PRÓPRIA VIDA, INDEPENDENTE DOS PRECONCEITOS.
COM SEU DIPLOMA DE CONTADORA, INGRESSOU NO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO E NOS MUDAMOS PARA UM PENSIONATO, DEIXANDO MEU IRMÃO MENOR COM OS AVÓS, JÁ QUE ERA ADORADO PELO AVÔ RAPHAEL.
DE PENSIONATO EM PENSIONATO (E MOMENTOS EM COLÉGIO INTERNO TAMBÉM PARA NÓS, OUTROS), MINHA MÃE, FINALMENTE CONSEGUIU ALUGAR UM APARTAMENTO PEQUENO E MONTAR NOVAMENTE UM LAR, POR ENQUANTO, APENAS PARA ELA, PARA MINHA IRMÃ E PARA MIM. O IRMÃO MAIS VELHO, SAINDO DO INTERNATO, FOI MORAR COM NOSSO PAI E O MENOR CONTINUOU COM NOSSOS AVÓS.
AINDA JOVEM, TEMPOS MAIS TARDE, CONHECEU UM SENHOR QUE PARECIA SER FINO E CULTO, COMO FORA SEU PAI, E RESOLVEU TENTAR UMA NOVA VIDA DE CASADA. PARA DAR UMA SOLUÇÃO À FAMÍLIA E A ELES MESMOS, CASARAM-SE NO CONSULADO URUGUAIO, QUE ACEITAVA O DIVÓRCIO, EMBORA PARA AS LEIS BRASILEIRAS ISSO NADA SIGNIFICASSE.
BOM PROJETISTA DE DESENHOS PARA ESTAMPARIA DE TECIDOS, ESSE 2º MARIDO FOI CONVIDADO A TRABALHAR NUMA FÁBRICA EM SOROCABA (SP), RECEBENDO UM BOM SALÁRIO. MINHA MÃE CONSEGUIU TRANSFERIR SEU EMPREGO COMO FUNCIONÁRIA PÚBLICA PARA A SECRETARIA DA FAZENDA LOCAL E TENTOU REALIZAR A ANTIGA IDEIA DE TER DE VOLTA TODOS FILHOS.  
SEM SEQUER CONSEGUIR IMAGINAR QUÃO MELHOR TERIA SIDO NÃO ABANDONAR SÃO PAULO, MUDAMOS PARA SOROCABA EM 1958, COM VÁRIAS EXPECTATIVAS OTIMISTAS.
ALI, MEU IRMÃOZINHO SENTIU-SE MUITO FELIZ POR MORAR, OUTRA VEZ, COM A MÃE E GOZAR DA IMENSA LIBERDADE QUE O LUGAR, APESAR DE SIMPLES, OFERECIA, COM MUITOS CAMPOS E SÍTIOS AOS ARREDORES, ESTÁDIO DE FUTEBOL PRÓXIMO, CORRIDAS DE BICICLETA COM AMIGOS DA ESCOLA E PASSEIOS À CAVALO. SEGUNDO ELE MESMO: “NUNCA, ANTES, TINHA SE SENTIDO TÃO FELIZ”.

ENTRETANTO, TRAGICAMENTE, QUASE UM ANO APÓS, VEIO A FALECER, COM 11 ANOS DE IDADE, POR UMA INFECÇÃO CAUSADA NUM INCIDENTE À CAVALO.
TODA A DOR DESSA PERDA, MINHA MÃE CARREGOU A VIDA INTEIRA.
QUERENDO UNIR A FAMÍLIA, SEU MAIS JOVEM FILHO FOI O PRIMEIRO A PARTIR.
VIVEU MOMENTOS MUITO TRISTES E JAMAIS SE CONFORMOU.
UM FATO SEGUINTE, VEIO CONTRIBUIR PARA AUMENTAR A INFELICIDADE, AGORA, EM RELAÇÃO AO 2º MARIDO.
COMO TODO ARTISTA, ACHAVA-SE MAIS TALENTOSO QUE OS OUTROS, COMEÇOU A CAUSAR PROBLEMAS NA FÁBRICA DE ESTAMPARIA E ACABOU DEMITIDO.
SEM CONSEGUIR EMPREGO, VIVEU ÀS CUSTAS DO TRABALHO DE MINHA MÃE, QUE TINHA RECÉM CONSEGUIDO COMPRAR UMA ÓTIMA CASA, NUM BOM BAIRRO DA CIDADE, POR MEIO DE FINANCIAMENTO JUNTO AO ESTADO. ASSIM, SUA REMUNERAÇÃO MENSAL ESTAVA 40% COMPROMETIDA COM AS PRESTAÇÕES. SEM O SEGUNDO ORDENADO, INICIARAM-SE AS DIFICULDADES. O MARIDO EM QUESTÃO, COMEÇOU A SE ENDIVIDAR POR TODA A CIDADE E QUANDO A CRISE ESTOUROU, FUGIU COVARDEMENTE. NUNCA MAIS OUVIMOS FALAR DELE.
MAMÃE, HONESTA E ORGULHOSA DO SEU NOME, ASSUMIU A RESPONSABILIDADE DAS DÍVIDAS, VENDEU A CASA, PAGOU O QUE FOI NECESSÁRIO, LIQUIDOU O RESTANTE DO FINANCIAMENTO E, MAIS UMA VEZ, VOLTAMOS AO PONTO ZERO, COM DINHEIRO EXATO PARA ALIMENTO E PAGAMENTOS BÁSICOS.
UM NOVO ACONTECIMENTO, NO MESMO ANO, VEIO COMOVÊ-LA BEM MAIS: A MORTE DE SEU PAI, QUE TANTO AMOU E POR QUEM FOI TÃO AMADA.
NÃO SE DEIXANDO VENCER PELOS SUCESSIVOS INFORTÚNIOS, ALUGOU O APARTAMENTO QUE SEU SALÁRIO PODIA PAGAR E, POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, APÓS TANTAS MÁGOAS, APÓS DEIXARMOS UMA CASA TÃO GRANDE E IRMOS PARA UM LOCAL TÃO PEQUENO, GANHAMOS, POR UM BOM TEMPO, MOMENTOS DE CALMA, NUMA VIDA NORMAL.
MEU PAI, POR SUA VEZ, ANOS ANTES, HAVIA REALIZADO NOVO CASAMENTO, NO QUAL TEVE MAIS DOIS FILHOS E REENCONTROU SUA TRANQUILIDADE.

PERÍODO DE FACULDADE, PRECISAMOS VOLTAR A SÃO PAULO, AONDE MORAMOS TAMBÉM COM O IRMÃO MAIS VELHO. NOSSA MÃE RETORNOU AO TRABALHO NO SEU LUGAR DE ORIGEM, O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. NÓS, FILHOS, TRABALHÁVAMOS, ESTUDÁVAMOS E NOS FORMAMOS. OS MAIS VELHOS SE CASARAM E EU CONTINUEI EM CASA.
COM A TENACIDADE QUE SEMPRE TEVE, ELA OBTEVE FINANCIAMENTO PARA COMPRAR UM APARTAMENTO E NELE FOMOS MORAR, NÓS DOIS, POR VÁRIOS ANOS.
AQUI, NESTA MINHA FASE TÃO ADULTA, APESAR DE AMÁ-LA MUITO, COMECEI A TER CONFLITOS DE OPINIÃO E AUTO AFIRMAÇÃO RETARDADOS, QUE FIZERAM, POR MINHA CULPA, MUITO MAL À NOSSA CONVIVÊNCIA.
PROBLEMAS À PARTE, MINHA MÃE, JÁ APOSENTADA E SEMPRE ATIVA, REINICIOU DUAS COISAS QUE GOSTAVA: FAZER TRICÔ E JOGAR CARTAS. EM TODOS OS LUGARES E CIDADES QUE VIVEMOS, ELA CRIAVA O CLUBE DO SAPATINHO DE TRICÔ. FAZIA NOVAS AMIGAS E, JUNTAS, TRICOTAVAM SAPATOS E MANTAS DE LÃ PARA BEBÊS, OU DAS PARÓQUIAS QUE FREQUENTAVA OU PARA ORFANATOS QUE CONHECIA. DEVE TER FEITO MILHARES DELES.
OUTRA REUNIÃO QUE A ANIMAVA ERA A DO JOGO DE CARTAS, TRANCA, MAIS PRECISAMENTE. APÓS UMA LONGA PRIMEIRA PARTIDA HAVIA O INTERVALO PARA UM LANCHE E INICIAVA-SE A SEGUNDA.
DESSA MANEIRA, VIVEU TRANQUILA, INCLUSIVE NA NOVA RESIDÊNCIA QUE ADQUIRIMOS, AGORA COM A MINHA CONTRIBUIÇÃO, EM LUGAR E EDIFÍCIO BEM MAIS NOBRES.
CONTUDO, MESMO SOSSEGADA E EM BOA SITUAÇÃO ECONÔMICA, COM A IDADE, CONTINUAMENTE RELEMBRAVA A SOMBRA DOS ACONTECIMENTOS PASSADOS.  
A MAIS GRAVE, É CLARO, FOI A PERDA DO FILHO CAÇULA, PELA QUAL, APESAR DA DISTÂNCIA NO TEMPO, NUNCA TER DEIXADO DE SOFRER. TODA NOITE, AO DORMIR, DESPEDIA-SE NO RETRATINHO AO LADO DA SUA CABECEIRA.
OUTRA GRANDE TRISTEZA, FOI O FRACASSO DE DOIS CASAMENTOS NOS QUAIS HAVIA COLOCADO TANTA ESPERANÇA EM MANTER UM LAR, COM TODA A FAMÍLIA.
O QUE MUITO A INCOMODOU, TAMBÉM, FOI NÃO COMPREENDER PORQUE NÓS, SEUS FILHOS, NOS TORNAMOS TÃO ARREDIOS E INDIFERENTES, COMO SE A CULPÁSSEMOS PELAS ADVERSIDADES QUE PASSAMOS. NOS PORTAMOS COMO SE NÃO LEMBRÁSSEMOS QUE A PESSOA QUE MAIS PADECEU, EM TODA ESSA SITUAÇÃO, FOI ELA. E, HEROICAMENTE SOZINHA, SEM QUALQUER APOIO.
ALÉM DA FORÇA DE SUA PERSONALIDADE, MINHA ADMIRAÇÃO ERA PELA SUA HONESTIDADE, CULTURA E ELEGÂNCIA. SEGUINDO OS PASSOS DO PAI, ADORAVA LER, ESTUDAR LÍNGUAS ESTRANGEIRAS E JOGAR XADREZ. COMO A MÃE, FOI MUITO HABILIDOSA EM TUDO:COZINHAVA DELICIOSAMENTE, COSTURAVA PARA NÓS, BORDAVA, TRICOTAVA, FAZIA CORTINAS E COLCHAS, CONSERTAVA MÓVEIS, ESTOFAVA CADEIRAS. NADA A DETINHA, MESMO TRABALHANDO FORA.
MAS, MAIOR QUE ISSO TUDO, SUA GRANDE QUALIDADE FOI A GENEROSIDADE EM AJUDAR A TODOS. DESDE MENDIGOS DE RUA, AOS QUAIS PRESENTEAVA COM ROUPAS, DINHEIRO E LIVROS, ATÉ EMPREGADAS OU FAXINEIROS/AS, ONDE MORAMOS, QUE VIVIAM COM DIFICULDADES E ELA LHES EMPRESTAVA O DINHEIRO PEDIDO, NUNCA ACEITANDO-O DE VOLTA. TAMBÉM ATRAVÉS DO RÁDIO, QUANDO OUVIA NECESSITADOS SOLICITAREM ÓCULOS, BENGALAS OU APARELHOS ORTOPÉDICOS, TELEFONAVA À EMISSORA E OS ACUDIA.
NO TRABALHO, QUANDO EM CARGOS DE CHEFIA OU DIREÇÃO, INCENTIVOU OS FUNCIONÁRIOS HUMILDES, OS SERVENTES, QUE ESTUDASSEM, FACILITANDO-LHES O HORÁRIO DE ENTRADA OU SAÍDA, ALÉM DO PERMITIDO POR LEI, QUE ERA DE 60'. CONSEGUIU ALGUNS RESULTADOS E ESSAS PESSOAS, SEMPRE, A AGRADECERAM.
NOS SEUS DEZ ÚLTIMOS ANOS DE VIDA, TALVEZ LIVRADO DE MEUS INÚMEROS COMPLEXOS, TENTEI ME REDIMIR POR TER SIDO FILHO PROBLEMÁTICO E DEDIQUEI-ME TOTALMENTE A ELA.
COMO COMPENSAÇÃO, QUIÇÁ MAIS PARA MIM, ENCHI-A DE AMOR, MIMOS E PRESENTES, NUMA NECESSIDADE ENORME EM DEIXÁ-LA CONTENTE E, AO MESMO TEMPO, DIMINUIR MINHAS CULPAS.
FINALMENTE, VOLTOU A SENTIR PAZ, EMBORA A IDADE COMEÇASSE A INCOMODAR. PASSOU A ENXERGAR, OUVIR E LOCOMOVER-SE MENOS.
SUA MENTE MANTEVE-SE EXTREMAMENTE LÚCIDA E, COM O AUXÍLIO DE LENTES DE AUMENTO, CONTINUOU A FAZER SUAS PALAVRAS CRUZADAS, SEU XADREZ, SEU TRICÔ E A LER SEUS AUTORES PREDILETOS: EÇA DE QUEIROZ, SOMERSET MAUGHAN, PEARL BUCK E CRONIN. 
EM MÚSICA, TINHA PREFERÊNCIA PELO FOX NORTE-AMERICANO, MAS QUANDO TRICOTAVA, ME PEDIA PARA COLOCAR ALGUM DISCO COM "PIANINHO SUAVE", COMO CHAMAVA ALGUMAS COMPOSIÇÕES DE HAYDN E MOZART.
ATÉ OS SEUS QUASE 92 ANOS, NUNCA DEIXOU DE SER VAIDOSA. CUIDAVA-SE MUITO, COM O VERDADEIRO EXÉRCITO QUE TÍNHAMOS EM CASA: EMPREGADA DOMÉSTICA, MASSAGISTA, CABELEIREIRA, MANICURE E, QUANDO FOI PRECISO, ENFERMEIRAS. QUANDO JOGÁVAMOS, NA MAIORIA DAS VEZES, VENCIA-ME NO BARALHO. NO XADREZ, GRANDE CAMPEÃ, COMEÇOU A TER DIFICULDADES NAS PARTIDAS MUITO LONGAS POR FICAR COM A VISTA CANSADA E CONFUNDIR AS PEÇAS. JÁ NÃO TINHA MUITO ÊXITO. NESSE JOGO, ENTRETANTO, A MINHA MAIOR ALEGRIA FOI TER SIDO VENCIDO POR ELA UM MÊS ANTES DE SEU FALECIMENTO. COM MENOS PEÇAS QUE AS MINHAS, ARMOU UMA ARMADILHA E ME DEU CHEQUE-MATE. UM CHEQUE- MATE FINAL, DE DESPEDIDA, MOSTRANDO QUE CONTINUAVA A SER A PESSOA ESPECIAL QUE SEMPRE FOI.

(AOS 91 ANOS)
                                       







segunda-feira, 17 de novembro de 2014

LIVRO VIDE VERSO - D.HELDER CÂMARA

HOMENAGEM A

UM PAI, NESTA ORFANDADE,
UMA VOZ, NESTE SILÊNCIO,
A HONRA, NESTA CORRUPÇÃO.
A PAZ, NESTE PRÉLIO,
A JUSTIÇA, NESTA TERRA,
O GUIA, NESTA ESCURIDÃO.
A UNIÃO DAS PRECES,
A FÉ DOS ATEUS,
A BANDEIRA CERTA
NA PRÓPRIA MÃO DE DEUS.

(PARA DOM HELDER CÂMARA,
EM 1983, A VOZ CONTRA
A DITADURA MILITAR)