sexta-feira, 10 de outubro de 2014

LIVRO FIO DE CRISTAL - A 31ª BIENAL DE SÃO PAULO - considerações pessoais



É extremamente difícil tentar definir o que é Arte.
Essa opinião vem se confirmando, nos últimos anos, principalmente, em relação às exposições das galerias e das Bienais: Arte contemporânea parece ser qualquer coisa que alguém assim a considere, independente do que a obra representar. O conceito tradicional da estética do belo cedeu, há muito tempo, aos diferentes significados artísticos surgidos.
Se a liberdade passou a ser tão grande, prefiro simplificar, parafraseando Marcel Duchamp que declarou: "Arte será tudo o que eu disser que é", dizendo, modestamente, que, para mim, Arte, (visual, sonora, olfativa e demais) é toda expressão criativa que me sensibilizar.
Fica mais fácil.
E o que me sensibiliza em Artes Plásticas, já que falamos da 31ª Bienal, é fundamentalmente, o belo, a coerência e harmonia entre o tema e sua realização, em obras precursoras ou não. Seja em uma Pietá de Michelangelo, de Brecheret ou um busto de Brancusi; um Cristo de Ticiano ou de Aleijadinho; um impressionismo de Manet, Van Gogh ou uma figura feminina de Gustav Klimt; uma colagem de Braque ou uma abstração de Albers, Rothko ou Volpe. O Gótico, a arte holandesa, a japonesa e, assim, tantas mais.
As Bienais sempre trouxeram projetos de vanguarda. Lembro, em algumas das décadas anteriores, a maneira como saía empolgado ao ver uma ação inovadora, que nos mais diferentes tipos de suporte: telas, esculturas, vídeos e outros, me fazia admirar e aprender os diferentes rumos no qual a criatividade podia ser exercida.
Há alguns biênios, a minha impressão, deixou de ser assim.
A exemplo de épocas anteriores, desde a década de 20, internacionalmente, e a partir dos anos 60, no Brasil, voltou à cena, nos anos 80/90, com grande entusiasmo, a exibição artística: Instalação. Por permitir muita liberdade de ação, os artistas, principalmente iniciantes, acreditaram que, através dela, poderiam ser válidas qualquer tipo de composição.
A Instalação trouxe muita dúvida ao ser considerada Arte, não  apenas por seu conteúdo, mas, também por não ter permanência, destinada apenas a uma exibição, desaparecendo após e perdendo o propósito de reflexão e transcendência. Ocupando grandes espaços e salas especiais, algumas serviram de base ao surgimento de ótimas obras, mas, a maioria, a muito engano. Qualquer aglomerado de objetos estranhos ou absurdos foi assim classificado. Isso deixou o observador espantado, por não compreender tanto o significado do que via, como a falta de talento. Recordo, numa Bienal do passado, que um monte alto de tênis velhos e sujos, sobre uma base de terra, expunha-se como uma instalação.
Nesta 31ª Bienal de São Paulo, o tema foi “Como ... coisas que não existem”, no sentido de preencher as reticências com termos como ler, aprender, escrever, criar, ou seja, tentar representar o que não existe.
Não entendi a proposta, pois o que vi, não me ajudou a imaginar o que não existe. Ao contrário, tudo me pareceu já visto, muitas vezes. Talvez nas áreas destinadas a crianças, nas quais muitas desenhavam, esse assunto, como uma brincadeira, tenha encontrado maior receptividade.
Bastante visível e muito existente, a questão mais evidente desta Bienal foi a intenção de protesto, de rebelião e de resistência a todas as formas de perseguição: política, religiosa, econômica e sexual.
Assim, diversos artistas colocaram, em suas obras, conturbações humanas como a escravidão, o confinamento indígena, o homossexualismo, o aborto, o tratamento penitenciário, as torturas ditatoriais, a religião e a opressão capitalista.
Uma parte considerável dos vídeos, que assisti, teve como enfoque a pobreza social e a manutenção de tradições culturais, em diversos países. A técnica de filmagem e encenação foram comuns, à exceção de um vídeo inglês que, com outro enfoque temático, comentava, na forma de um musical bastante original, a opressão de empregadores sobre seus empregados.
Com produções criadas e montadas de maneira convencional, notou-se a falta de ideias avançadas ( e em suportes mais modernos), características de uma Bienal, tais como arte cinética, holográfica, computadorizada ou até mesmo o grafite (não digo, rabiscos).
Diversas Instalações expuseram sua comunicação em simples e toscas folhas de madeira aparente. Pinturas e desenhos exprimiram-se através de grandes páginas de papel, soltas ou coladas, e em tecidos, de muitos metros, como grandes faixas, com frases e estampas. Uma grande rede com mapas desenhados e outros objetos suspensos do teto, preencheram alguns espaços.
Telas, de grande tamanho, destinadas a pinturas, tinham rostos de detentos, injustiçados ou não. Outras, com temas indígenas. Outras ainda, com manifestações de grupos de pessoas que, integradas a composições fotográficas, apresentaram interferências perturbadoras e interessantes. Assim também, uma instalação com efeitos eletrônicos, dentro de uma vitrine, que simulava uma confusa situação, parecendo ser um fim de festa da decadência social consumista.
Com cerca de 250 obras (muitas, inclusive, dos anos 70 e 80), de artistas nacionais e estrangeiros, principalmente sul-americanos, ficaria difícil fazer muitos comentários. E se dissesse algum nome de artista, teria que citar todos.
O que muito se destacou, para mim, nas novas mostras, foi a grande rebeldia demonstrada em esculturas, instalações e vídeos sobre diversidade, sobre política/economia e sobre religião.
Tais como: 
-a perseguição social e policial que sofrem as minorias pela
vivência sexual e a sua revolta ao injusto tratamento, como na obra Linha de Vida, com jornais denunciadores de assassinatos gays, colagens, objetos, roupas extravagantes (como provocação libertária) e vídeos;
- a violenta e polêmica crítica sobre a exploração do poder colonialista, político e econômico, como na escultura (proibida para menores de 18 anos) Haute Couture 04 Transport, na qual um cachorro alemão penetra uma líder feminista boliviana, que por sua vez, penetra o rei espanhol Juan Carlos, que despeja flores, pela boca. Ao redor, nas paredes, mini pessoas escavam riquezas em túneis de minas, como se fossem formigas num formigueiro, trabalhando, como escravas, para o capitalismo. O interessante sobre o autor, que vim a saber pelos jornais, é que foi um terrorista, preso por diversos atentados em Londres, na década de 70;
- o questionamento à submissão e vassalagem que geram as religiões em seus fiéis, nas obras Deus é Maricas, Errar de Deus e o vídeo Inferno que propuseram insurreições de muita agressividade e impacto.


Algumas Instalações, do Oriente Médio, resgataram costumes, abandonado por seus países, o antigo artesanato popular, feitos em tecidos, tapetes, madeiras e outros ornamentos, muito bonitos.
Outra, chilena, atraía por sua leveza plástica, expondo, penduradas em diferentes níveis de altura, matrizes de impressão de jornais, em metal, acetato ou filme, nos quais se percebiam manchetes sobre a violência política, a policial e a criminosa. A transparência das matrizes em acetato, compunha-se com a luz ambiente, em belos matizes.
Também um enorme e diferente mapa, criado por artista chinês, com lugares verdadeiros e imaginários, utopias e anarquismos, feito à mão, a exemplo da tradição caligráfica de seu país, sobressaía.
Uma Instalação de esculturas, num escuro ambiente circular, me assombrou, pela tétrica maneira de expor o martírio e execução de figuras humanas rebeladas, de minorias étnicas, com a simulação de enforcamentos e cabeças cortadas.
Espalhadas pelos espaços imensos e de cansativos percursos (a exposição poderia ser mais condensada), obras interessantes, outras menos e com maior ou menor entendimento e satisfação do público, todas se integraram na intenção desta Bienal de mostrar, pela Arte, a contemporânea convivência social: conflitante, incoerente, injusta, persecutória, desorientada
e com árduos rumos de solução.

Um fato curioso e oposto ao assunto temático, foi perceber a alegria de adolescentes de escolas. Fazendo grande algazarra, interessavam-se, é claro, pelas obras mais engraçadas e excêntricas, que exigiam participação pessoal, tais como, um estilizado disco voador, sextavado, tendo o interior todo metalizado, com uma sonoridade diferenciada e imagens psicodélicas.
Por não ter (penso eu) maiores conhecimentos artísticos de comparação ou avaliação, com outras precedentes e melhores inspirações, para a juventude, atualmente, Arte é o que ela vê neste gênero de exposição. Valendo-se da oportunidade de zombar do que não gostou ou exagerar no que achou "genial”, torna tudo mais divertido do que sério, sentindo-se identificada com os costumes liberais da própria época em que vive.
Enfim, adultos ou adolescente, creio que o mais importante, para todos nós, neste tipo de evento, é irmos, conferirmos, interagirmos (ou resistirmos) ao que oferece o momento que vivemos.

EDGARD RIBEIRO DE AMORIM - MTB 16.893

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