sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

LIVRO AQUÉM DO ALÉM: JEAN GENET - O TRANSGRESSOR

DIÁRIO DE UM LADRÃO – PEQUENAS CONSIDERAÇÕES
AUTOR: JEAN GENET
REEDIÇÃO: NOVA FRONTEIRA
ANO:2015

PUBLICADO, PELA PRIMEIRA VEZ, EM 1949, ESTE LIVRO TEVE POUCAS EDIÇÕES POSTERIORES E FOI BASTANTE DIFÍCIL ENCONTRÁ-LO NAS LIVRARIAS ATUAIS.
TALVEZ POR SEU TEMA TÃO OUSADO.
A OBRA É AUTO BIOGRÁFICA E O AUTOR NÃO FAZ CENSURAS SOBRE AS REVELAÇÕES DE SUA VIDA. NÃO VOU DESCREVÊ-LAS PORQUE SÃO, NA MAIORIA, CASOS DE POBREZA, PEQUENOS ROUBOS E ASSALTOS, EXPLORAÇÃO SEXUAL MASCULINA, BRIGAS, INTRIGAS, CIÚMES E TUDO O MAIS QUE, INFELIZMENTE, PODE CONTER VIDAS INICIADAS NA MISÉRIA SOCIAL. NO PRINCÍPIO, A LEITURA FOI DIFÍCIL, PELA DESCRIÇÃO DEPLORÁVEL E ESCATOLÓGICA DA HISTÓRIA DOS PERSONAGENS.  MAS, QUERER LÊ-LO, VENCEU.
NASCIDO NA FRANÇA EM 1910, JEAN GENET FOI ABANDONADO NUM ORFANATO DE PÉSSIMA CATEGORIA EM HIGIENE, ALIMENTAÇÃO E EDUCAÇÃO, LOCAL AONDE ADQUIRIU SEUS PRIMEIROS PÉSSIMOS HÁBITOS. NA PRÉ ADOLESCÊNCIA, JUNTO A OUTROS COLEGAS, FUGIU E PASSOU A VIVER NAS RUAS. COM MENDICÂNCIA E FURTOS UNIU-SE A DIFERENTES QUADRILHAS, CONFORME A OPORTUNIDADE PARA SEUS INTERESSES DE SOBREVIVÊNCIA. ALIOU-SE AO QUE SERIA A ESCÓRIA SOCIAL E NELA INTEGROU-SE COMPLETAMENTE.
JÁ MAIS VELHO, ELABOROU A MORAL DE SUA CONDUTA FUTURA: SE A VIDA O COLOCOU NA SITUAÇÃO DE PÁRIA, IRIA FAZER DESSA CONDIÇÃO A SUA MANEIRA DE VIVER.
NÃO SERIA UM AMORAL. SERIA UM IMORAL, CONSCIENTE DO QUE DESEJAVA: LUTAR CONTRA OS HÁBITOS DA SOCIEDADE QUE O MARGINALIZOU. VIVERIA COMO DESEJASSE, TENDO SEUS VALORES ÉTICOS GUIADOS PELA TRANSGRESSÃO, ADAPTANDO-OS À DEPENDÊNCIA DAS SITUAÇÕES.
JOVEM E HOMOSSEXUAL, SUBMETEU-SE POR AMOR OU MEDO A TODOS QUE O QUERIAM.  TEVE DOIS AMORES QUE CONSIDEROU ESPECIAIS. FEZ PARTE DE UM BANDO DE RAPAZES DA MESMA TENDÊNCIA, CHEFIADOS POR UM CAFETÃO, PARA GANHAR DINHEIRO E SUSTENTÁ-LO.
SEDUZIAM INTERESSADOS OU INCAUTOS E PRATICAVAM OS ROUBOS PLANEJADOS.
QUANDO UMA CONJUNTURA O CANSAVA OU SE TORNASSE INSUSTENTÁVEL POR ALGUM DELITO MAIOR COMETIDO, FUGIA PARA OUTROS LUGARES OU PAÍSES.
ASSIM, DE QUADRILHAS EM QUADRILHAS, DE ROUBOS EM ROUBOS, DE MUITA MISÉRIA, PRISÕES E EXPULSÕES DE DIVERSOS PAÍSES, TORNOU-SE ADULTO, CONHECEDOR DE TODAS AS MALANDRAGENS, MALDADES E SUBSERVIÊNCIAS INDISPENSÁVEIS. EM 1937, RETORNOU PARA A FRANÇA. PARALELAMENTE AOS ATOS ILÍCITOS E AS INÚMERAS NOVAS PRISÕES, ANOTAVA E DRAMATIZAVA TUDO O QUE LHE ACONTECIA. ESCREVER TORNOU-SE UMA DISTRAÇÃO OU UMA OBSESSÃO. CONTAR A PRÓPRIA VIDA, IMAGINAR OUTRAS E EXPOR O ESCONDIDO SUB-MUNDO, SUAS CONTRAVENÇÕES E HUMILHAÇÕES, PARECEU-ME SER, A ELE, UMA SATISFAÇÃO.
QUESTIONO QUAL SERIA A RAZÃO DESSA ESCRITA. DENUNCIAR, APESAR DELE SER UM DELINQUENTE? UM PASSATEMPO OU UM DESEJO DE ENCONTRAR UM MOTIVO DE VIDA, ALÉM DO CRIME? LEMBRO-ME DE MARIA CAROLINA DE JESUS, UMA EMPREGADA DOMÉSTICA, QUE MORAVA NUMA FAVELA, EM SÃO PAULO, E ESCREVIA UM DIÁRIO SOBRE SUA DIFÍCIL EXISTÊNCIA. DESCOBERTA PELO JORNALISTA ADAUTO NOVAES E SOB SUA ORIENTAÇÃO, ELA O PUBLICOU COM O NOME QUARTO DE DESPEJO. O LIVRO FEZ UM ENORME SUCESSO. TERIA O MESMO OBJETIVO DE GENET? DESABAFAR? DENUNCIAR? SOBRESSAIR A SI MESMA? INTELECTUALMENTE, NÃO HÁ COMPARAÇÃO ENTRE OS DOIS. MAS, INDEPENDENTE DO MOTIVO DE CADA UM, O FATO É QUE AMBOS FICARAM FAMOSOS, PELA PRÓPRIA TRISTE HISTÓRIA. NA DE MARIA CAROLINA LÊ-SE QUE ERA HONESTA E TRABALHADORA, ENFRENTANDO O DIA A DIA. NA DELE FICA CLARO SEU DESEJO PELAS INFRAÇÕES. ERA LEAL A ELAS MESMO QUE FOSSE APENAS PELO ATO EM SI, SEM QUALQUER BENEFÍCIO PRÓPRIO. NÃO VOU DESCREVER TANTAS MÁ AÇÕES, COMO JÁ DISSE, ALGUMAS FEITAS, TAMBÉM, POR FAVOR A SEUS IGUAIS. COMO EXEMPLO, CITO UMA NA QUAL ELE FUGIA DE UM PAÍS, ATRAVESSANDO A FRONTEIRA, À NOITE, PELAS MATAS. AO CHEGAR A UM PONTO, CONHECIDO PELO TRÁFICO DE DROGAS E OUTROS COMÉRCIOS, VÊ UM GUARDA DE VIGILÂNCIA.  ENCETA UMA CONVERSA PROVOCANTE E SEDUTORA E O SERVE, HOMOSSEXUALMENTE, ATÉ O AMANHECER.
EMBORA DESCONFIASSE DE BARULHOS, O GUARDA PREFERE O SEXO E GENET SENTE-SE CONTENTE EM FAZER COM QUE BANDIDOS PASSEM COM AS MERCADORIAS, MESMO SEM CONHECÊ-LOS E NADA LUCRAR COM ISSO. FOI, SOMENTE, PELA ALEGRIA DE INFRINGIR A LEI.
COM O TEMPO E A MATURIDADE, SEUS ESCRITOS ACABAM NAS MÃOS DE UM EDITOR. NÃO OBSTANTE O MEDO DA CENSURA E DA POLÍCIA, COMEÇAM A SER PUBLICADOS.
APESAR DE TUDO O QUE CONTA, O AUTOR NÃO SE PREOCUPA. MAS, QUANDO OS ATOS SE TORNAM DE CONHECIMENTO GERAL, APENAS PELA INTERCESSÃO DE INTELECTUAIS COMO JEAN COCTEAU E JEAN PAUL SARTRE, ELE NÃO É CONDENADO A PRISÃO PERPÉTUA, PELA JUSTIÇA FRANCESA.
O PONTO QUE ME INTERESSAVA, APÓS MAIS DA METADE DE LEITURA, ERA SABER, EXATAMENTE, COMO SERIA A PASSAGEM DO AUTOR, DO BANDITISMO PARA A CONDIÇÃO DE INTELECTUAL RICO E ADMIRADO. FIQUEI DECEPCIONADO. É MUITO POUCO DESCRITA E DE MANEIRA BEM SUTIL.  NÃO HÁ REFERÊNCIA CLARA E SABE-SE QUE FICOU BEM QUANDO UM ANTIGO COMPANHEIRO O VISITA E CAÇOA DE SUA NOVA RESIDÊNCIA E O ABANDONO DA VELHA PILANTRAGEM.
APÓS A FAMA, MUITAS OBRAS FORAM PUBLICADAS. ALÉM DE LIVROS, ESCREVEU PEÇAS TEATRAIS E UM DOS TEMA FOI FILMADO.
SUA PEÇA TEATRAL MAIS FAMOSA, TALVEZ, TENHA SIDO O BALCÃO, ENCENADA PELO MUNDO E TAMBÉM AQUI EM SÃO PAULO, NUMA MONTAGEM EXTRAVAGANTE, ESPETACULAR, COM OS ATORES SUBINDO E DESCENDO POR DIVERSAS ARMAÇÕES DE FERRO, COMO ANDARES, SIMBOLIZANDO SEGMENTOS DA SOCIEDADE, COM TEXTO TREMENDAMENTE OFENSIVO À FALSIDADE HUMANA E ÀS SUAS REGRAS.
CONVIDADO PELA PRODUTORA RUTH ESCOBAR, O AUTOR VEIO A SÃO PAULO E ELOGIOU A ENCENAÇÃO.
SEUS TEXTOS NÃO TRATAM TANTO DA POBREZA E MENDICÂNCIA. TRATAM, SOBRETUDO, DA OPRESSÃO ULTRAJANTE DO PODER SOBRE OS MENOS FAVORECIDOS. E DO PRECONCEITO CONTRA AS DIVERSIDADES. POR ISSO, UTILIZA UM LINGUAJAR IRREVERENTE, AFRONTOSO E REVOLTADO.
MESMO NAS TEMÁTICAS SEXUAIS, EMBORA A EXISTÊNCIA DO AMOR, A AÇÃO É SEMPRE AGRESSIVA CONTRA A ORDEM ESTABELECIDA.
ALÉM DESTA (DIÁRIO DE UM LADRÃO) ESCREVEU OBRAS COMO NOSSA SENHORA DAS FLORES, EM 1944, QUERELLE, 1947, AS CRIADAS, 1949, O BALCÃO, EM 1956, PARAVENTOS, EM 1961 E OUTRAS.
NA DÉCADA DE 60 DEDICOU-SE A PROTESTOS POLÍTICOS, CAUSAS HUMANITÁRIAS E PARTICIPOU DA MARCHA ESTUDANTIL REVOLUCIONÁRIA DE 1968, EM PARIS.
FALECEU EM 1986.